“Porque pela graça tendes sido
salvos”.(Ef 2.8-10)
Essa é, por assim dizer, a inferência das
afirmações anteriores. Pois ele tratara da eleição e da vocação gratuita,
visando a chegar à conclusão de que haviam obtido a salvação unicamente através
da fé. Primeiramente, ele assevera que a salvação dos efésios era inteiramente
a obra - e obra gratuita - de Deus; eles, porém, alcançaram essa graça por meio
da fé. De um lado, devemos olhar para Deus; de outro, para o homem. Deus
declara que não nos deve nada; de modo que a salvação não é um galardão ou
recompensa, mas simplesmente graça. Ora, pode-se perguntar: como o homem recebe
a salvação que lhe é oferecida pelas mãos divinas? Eis minha resposta: pela
instrumentalidade da fé. Daí o apóstolo concluir que aqui nada é propriamente
nosso. Da parte de Deus é graça somente, e nada trazemos senão a fé, a qual nos
despe de todo louvor, então segue-se que a salvação não procede de nós.
Não seria, pois, aconselhável
manter silêncio acerca do livre-arbítrio, das boas intenções, das preparações
inventadas, dos méritos e das satisfações? Nenhum desses deixa de reivindicar a
participação no louvor da salvação do homem; de modo que o louvor devido à
graça, no dizer de Paulo, não seria integral. Quando, por parte do homem, é posto
exclusivamente na fé como única forma de se receber a salvação, então o homem
rejeita todos os demais meios nos quais o ser humano costuma confiar. A fé,
pois, conduz a Deus um homem vazio, para que o mesmo seja plenificado com as
bênçãos de Cristo. E assim o apóstolo adiciona: “não vem de” vós; para que,
nada reivindicando para si mesmos, reconheçam unicamente a Deus como o Autor de
sua salvação.
“É o dom de Deus”. Em vez do que
havia dito, que a salvação deles é de graça, ele agora afirma que ela é o dom
de Deus. Em vez do que havia dito, "não vem de vós", ele agora diz:
“não [vem] de obras”. Daí descobrimos que o apóstolo não deixa ao homem
absolutamente nada em sua busca da salvação. Pois nessas três frases o apóstolo
envolve a substância de seu longo argumento nas Epístolas aos Romanos e aos
Gálatas, ou seja: que a justiça que recebemos procede exclusivamente da
misericórdia de Deus, a qual nos é oferecida em Cristo através do evangelho, e
a qual é recebida única e exclusivamente por meio da fé, sem a participação do
mérito procedente das obras.
A luz desta passagem torna-se
fácil refutar os tolos sofismas pelos quais os papistas tentam esquivar-se do
argumento. Paulo, nos dizem eles, está falando acerca de cerimônias, ao
dizer-nos que somos justificados sem [a participação de] obras [humanas]. Mas é
perfeitamente certo que ele aqui não está tratando de algum gênero de obras,
senão que rejeita a total justiça do homem, a qual consiste em obras - mais
ainda: a totalidade do homem e de tudo o que ele tem de propriamente seu. E
mister que observemos o contraste existente entre Deus e o homem, entre graça e
obras. Por que, pois, Deus teria que ser contrastado com o homem, se a
controvérsia concerne só a cerimônias?
Os papistas são
compelidos a reconhecer que Paulo, aqui, atribui à graça de Deus toda a glória
de nossa salvação. Mas a seguir engendram outra idéia, a saber: que isso foi
dito em razão de Deus conceder "a primeira graça". Mas são na verdade
insensatos ao imaginarem que terão sucesso nessa vereda, visto que Paulo exclui
o homem e suas faculdades, não só do ponto de partida na obtenção da salvação,
mas [o exclui] totalmente da própria salvação.
Mas são ainda mais imprudentes omitindo a conclusão: “para que ninguém se vanglorie”. Algum espaço deve sempre ser reservado à vangloria humana, contanto que os méritos sejam de alguma valia à parte da graça. A afirmação de Paulo não pode vigorar, a menos que todo o louvor seja dedicado somente a Deus e à sua misericórdia. Comumente, porém, torcem o sentido deste texto e restringem a palavra 'dom' exclusivamente à fé. Mas Paulo não faz outra coisa senão reiterar sua afirmação anterior, usando outros termos. Ele não quer dizer que a fé é o dom de Deus, mas que a salvação nos é comunicada por Deus; ou, que tomamos posse dela mediante o dom divino.
Mas são ainda mais imprudentes omitindo a conclusão: “para que ninguém se vanglorie”. Algum espaço deve sempre ser reservado à vangloria humana, contanto que os méritos sejam de alguma valia à parte da graça. A afirmação de Paulo não pode vigorar, a menos que todo o louvor seja dedicado somente a Deus e à sua misericórdia. Comumente, porém, torcem o sentido deste texto e restringem a palavra 'dom' exclusivamente à fé. Mas Paulo não faz outra coisa senão reiterar sua afirmação anterior, usando outros termos. Ele não quer dizer que a fé é o dom de Deus, mas que a salvação nos é comunicada por Deus; ou, que tomamos posse dela mediante o dom divino.
“Porque somos obra sua”. Ao
excluir o contrário, o apóstolo prova o que diz, ou seja, que somos salvos pela
graça, dizendo que nenhuma obra nos é de alguma utilidade para merecermos a
salvação, porque todas as boas obras que porventura possuímos são os frutos da
regeneração. Daí, segue-se que as próprias obras são uma parte da graça. Ao
dizer que somos obra de Deus, sua intenção não é considerar a criação em geral,
por meio da qual as pessoas nascem, senão que assevera que somos novas
criaturas, as quais são formadas para a justiça pelo poder do Espírito de
Cristo, e não pelo nosso próprio. Isso se aplica somente no tocante aos
crentes, os quais, ainda que nascidos de Adão, ímpios e perversos, são
espiritualmente regenerados pela graça de Cristo, e então começam a ser um novo
homem. Portanto, tudo quanto em nós é porventura bom, provém da obra
supernatural de Deus. E segue-se uma explicação; pois ele adiciona que somos
obra de Deus em razão de sermos criados, não em Adão, mas em Cristo, e não para
qualquer tipo de vida, mas para as boas obras.
E agora, o que fica para o livre-arbítrio, se todas as boas obras que de nós procedem foram comunicadas pelo Espírito de Deus? Que os leitores piedosos avaliem prudentemente as palavras do apóstolo. Ele não diz que somos assistidos por Deus. Ele não diz que a vontade é preparada e que, então, age por sua própria virtude. Ele não diz que o poder de escolher corretamente nos é conferido e que temos, a seguir, de fazer nossa própria escolha. Esse é o procedimento daqueles que tentam enfraquecer a graça de Deus (até onde podem), os quais estão habituados a sofismar. Mas o apóstolodiz que somos obra de Deus, e que tudo quanto de bom exista em nós é criação dele. O que ele pretende dizer é que o homem como um todo, para ser bom, tem de ser moldado pelas mãos divinas. Não a mera virtude de escolher corretamente, nem alguma preparação indefinida, nem assistência, mas é a própria vontade que é feitura divina. De outro modo, o argumento de Paulo seria sem sentido. Ele tenciona provar que o homem de forma alguma busca a salvação por sua própria iniciativa, mas que a adquire gratuitamente da parte de Deus. A prova consiste em que o homem nada é senão pela graça divina. Quem quer, pois, que apresente a mais leve reivindicação em favor do homem, excluindo a graça de Deus, lhe atribui a habilidade de obter a salvação.
E agora, o que fica para o livre-arbítrio, se todas as boas obras que de nós procedem foram comunicadas pelo Espírito de Deus? Que os leitores piedosos avaliem prudentemente as palavras do apóstolo. Ele não diz que somos assistidos por Deus. Ele não diz que a vontade é preparada e que, então, age por sua própria virtude. Ele não diz que o poder de escolher corretamente nos é conferido e que temos, a seguir, de fazer nossa própria escolha. Esse é o procedimento daqueles que tentam enfraquecer a graça de Deus (até onde podem), os quais estão habituados a sofismar. Mas o apóstolodiz que somos obra de Deus, e que tudo quanto de bom exista em nós é criação dele. O que ele pretende dizer é que o homem como um todo, para ser bom, tem de ser moldado pelas mãos divinas. Não a mera virtude de escolher corretamente, nem alguma preparação indefinida, nem assistência, mas é a própria vontade que é feitura divina. De outro modo, o argumento de Paulo seria sem sentido. Ele tenciona provar que o homem de forma alguma busca a salvação por sua própria iniciativa, mas que a adquire gratuitamente da parte de Deus. A prova consiste em que o homem nada é senão pela graça divina. Quem quer, pois, que apresente a mais leve reivindicação em favor do homem, excluindo a graça de Deus, lhe atribui a habilidade de obter a salvação.
“Criados para boas obras”. Os
sofistas, desviando-se do pensamento de Paulo, torcem este texto com o
propósito de injuriar a justiça [procedente] da fé. Envergonhados de negar
honestamente que somos justificados pela fé e cônscios de que fariam isso em
vão, buscam guarida no seguinte gênero de subterfúgio: Somos justificados
mediante a fé, porque a fé pela qual recebemos á graça de Deus é o ponto de
partida da justiça; mas nos tornamos justos por meio da regeneração, porque,
sendo renovados pelo Espírito de Cristo, andamos em boas obras. E assim fazem
da fé a porta pela qual nos introduzimos na justiça, mas acreditam que a
obtemos por meio das obras; ou, ao menos, definem justiça como sendo retidão,
quando alguém é reformado para uma vida boa. Não me preocupa quão antigo esse
erro venha ser; o fato é que o erro deles consiste em buscar neste texto apoio
para tal conceito.
E mister que descubramos o propósito do apóstolo. Sua intenção é mostrar que nada levamos a Deus pelo quê ele fique endividado em relação a nós; mostra ainda que até mesmo as boas obras que praticamos procedem dele. Daí, segue-se que nada somos, senão por sua graciosa liberalidade. Ora, quando esses sofistas inferem que somos meio justificados através das obras, o que tem isso a ver com a intenção de Paulo ou com o tema que ora desenvolve? Uma coisa é discutir em que consiste a justiça, e outra é estudar a doutrina que não procede de nós mesmos, com o argumento de que nas boas obras não há nada procedente de nós, salvo o fato de que fomos moldados pelo Espírito de Deus para tudo o que é bom, e isso através da graça de Cristo. Quando Paulo define a causa da justiça, ele insiste principalmente neste ponto: que nossas consciências jamais desfrutarão de paz até que descansemos no perdão de nossos pecados. Mas aqui ele não trata de nada desse gênero. Todo o seu objetivo é provar que somos o que somos unicamente pela graça de Deus.
E mister que descubramos o propósito do apóstolo. Sua intenção é mostrar que nada levamos a Deus pelo quê ele fique endividado em relação a nós; mostra ainda que até mesmo as boas obras que praticamos procedem dele. Daí, segue-se que nada somos, senão por sua graciosa liberalidade. Ora, quando esses sofistas inferem que somos meio justificados através das obras, o que tem isso a ver com a intenção de Paulo ou com o tema que ora desenvolve? Uma coisa é discutir em que consiste a justiça, e outra é estudar a doutrina que não procede de nós mesmos, com o argumento de que nas boas obras não há nada procedente de nós, salvo o fato de que fomos moldados pelo Espírito de Deus para tudo o que é bom, e isso através da graça de Cristo. Quando Paulo define a causa da justiça, ele insiste principalmente neste ponto: que nossas consciências jamais desfrutarão de paz até que descansemos no perdão de nossos pecados. Mas aqui ele não trata de nada desse gênero. Todo o seu objetivo é provar que somos o que somos unicamente pela graça de Deus.
As “quais Deus de antemão
preparou”. Isto não se aplica ao ensino da lei, como o fazem os pelagianos,
como se Paulo quisesse dizer que Deus ordena o que é justo e delineia uma regra
apropriada de vida. Ao contrário, ele enfatiza o que começara a ensinar, ou
seja, que a salvação não procede de nós mesmos. Diz ele que, antes que nascêssemos
às boas obras haviam sido preparadas por Deus; significando que por nossas
próprias forças não somos capazes de viver uma vida santa, mas só até ao ponto
em que somos adaptados e moldados pelas mãos divinas. Ora, se a graça de Deus
nos antecipou então toda e qualquer base para vangloria ficou eliminada.
Observemos criteriosamente o termo 'preparou'. O apóstolo mostra, à luz da
própria sequência, que, com respeito às boas obras, Deus não nos deve
absolutamente nada. Como assim? Porque elas foram extraídas dos tesouros
divinos, nos quais haviam sido antes geradas; pois a quem ele chamou, também
justifica e regenera.
Fonte:[O Calvinista]
Fonte:[O Calvinista]
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